domingo, 29 de julho de 2018

A rua e seus personagens, A descida aos infernos e A colmeia popular | Londres e Paris no século XIX: O espetáculo da pobreza

Este resumo abordará os três primeiros capítulos da obra “Londres e Paris no século XIX: O espetáculo da pobreza”, escrita pela autora brasileira Maria Stella Martins Bresciani. Os capítulos são: “A rua e seus personagens, “A descida aos infernos” e “A colmeia popular”. Publicado em 1982, o livro apresenta, basicamente, o fenômeno inédito do surgimento de uma massa de pessoas pobres nos bairros e ruas das cidades de Londres e Paris no século XIX e seus efeitos. A autora se valeu, nesse estudo, de textos de administradores, literatos clássicos, investigadores sociais e médicos; bem como da influência dos trabalhos de autores como Hannah Arendt e Walter Benjamim. 
Ao longo dos três textos, Bresciani discorre sobre o pensamento de estudiosos do século XIX em relação ao novo fenômeno da massa popular pobre nas ruas, suas péssimas condições de vida e trabalho, os preconceitos existentes para com estes trabalhadores e as consequências e estruturas da nova sociedade industrial que despontava naquele momento. O trabalho, outrora doméstico, ganhou um caráter externalizado, exposto e que conferiu ao operário uma nova identidade social, a partir das dificuldades que enfrentou no desempenho da sua função, muitas vezes circunstancial.
Em “A rua e seus personagens”, a autora destaca o impacto sofrido pelas suas fontes com o aparecimento de uma multidão de trabalhadores nas ruas de Londres e Paris, ideia que perpassa o texto. Essa abundância populacional repentina promoveu sentimentos mistos. De um lado fascínio e surpresa; do outro, medo e terror. Ao passo que o novo cenário urbano abastecido de novos indivíduos se mostrava como um espetáculo durante o dia, a cidade à noite, especificamente no caso parisiense, se tornava um antro de devaneios e promiscuidades: assassinatos, bebedeiras, brigas, jogo e prostituição afloravam na cidade luz. Esta situação se mostrou um prato cheio para grandes escritores da época como Charles Dickens, Edgar Allen Poe e Victor Hugo. Obras como Tempos Difíceis e Os Miseráveis representam alguns elementos das conjunturas inglesa e francesa. 
No capítulo “A descida aos infernos”, Bresciani se foca na cidade de Londres e no quadro que ali estava estabelecido. Ela informa que no ambiente dos bairros operários ingleses havia uma mescla entre péssimas condições sanitárias e de moradia, e uma superpopulação. Entre as décadas de 1840 e 1880, toda essa multidão londrina presente em bairros como o East End, composto pelas regiões de Benthal Green e White Chapel, representava uma imundície e sujeira de tamanha medida que se chegava a comparar estes distritos pobres com as “terras selvagens” mais longínquas do globo. Dessa maneira, acreditava-se em uma degeneração urbana por parte destes londrinos, o que gerava preconceito por parte dos empregadores, mais afeiçoados, dessa forma, ao trabalho de imigrantes. Consequentemente, o homem da cidade teve de recorrer ao emprego casual, efetuado nas docas, uma vez que as oportunidades de emprego, além de carregadas de preconceitos, não acompanharam o crescimento populacional. A ascensão do trabalho não-especializado permitiu, por volta das décadas de 1860 e 1870, uma expansão na produção de vestuário e móveis, com auxílio das inovações tecnológicas. Estes itens eram produzidos em larga escala e comercializados a um preço barato para um público pouco exigente. Com o alto número de desemprego, a quantidade de tumultos, crimes e mendigos aumentou em Londres. A capital inglesa transformara-se em um símbolo dos malefícios que a industrialização poderia acarretar, um antro de miséria, um inferno à céu aberto. 
Foto de famílias londrinas após serem despejadas no ano de 1901.

Em “A colmeia popular”, a autora aborda os contextos das duas cidades, embora conceda mais espaço para se falar de Paris. Ela destaca, de maneira geral, o posicionamento do historiador Jules Michelet em compreender o trabalhador, suas ações e comportamento por meio da fábrica. Continuando a ideia do capítulo anterior, de superpopulação e pobreza nas cidades, Bresciani evidencia como a extensa população pobre e suas aglomerações por meio de Londres geraram preocupação nas classes ricas. Esses eram vistos, basicamente, como selvagens que saiam a caça de um emprego esporádico e devassos que se excediam em confusões e tumultos. Para o já citado Michelet, seria a dependência à máquina, ao patrão e à instabilidade dos vínculos empregatícios os fatores que justificariam as atitudes violentas e desmedidas destes indivíduos, e não a ideia de uma degradação acarretada miséria; uma vez que os excessos seriam como que expressões de liberdade do frio das máquinas e aproveitamento do que teria sido ganho com o emprego do momento. 

Os textos evidenciam a tragédia humanitária que se sucedeu nas cidades de Londres e Paris. A autora deixa claro que doenças, subnutrição e mesmo a falta de espaço no lar eram rotina no meio dos cortiços dessas cidades. Estes escritos, portanto, evidenciam uma denúncia não somente às más condições de habitação e vivência das localidades citadas, mas também à uma visão idealizada e utópica da industrialização, como um cenário de apenas avanços e conquistas para todos. Certamente foram realizadas inovações em diversas áreas do conhecimento e na produção ao longo do século XIX, porém a era industrial, acompanhada por um grande aumento populacional, testemunhou, como a autora diz, o espetáculo da pobreza. Os textos levantam pontos relevantes, como os já citados, para se refletir o efeito da industrialização em pessoas pobres, entender como esta ocorreu para os cidadãos comuns de duas cidades ícones do Velho Mundo e suas consequências na configuração de uma cidade. 

Link para aquisição do livro: https://www.saraiva.com.br/londres-e-paris-no-seculo-xix-o-espetaculo-da-pobreza-col-tudo-e-historia-321827.html

Liberdade concedida, Liberdade Conquistada | Entre a mão e os anéis: A lei dos sexagenários e os caminhos da abolição no Brasil

No texto “Liberdade concedida, Liberdade conquistada”, inserido no livro “Entre a mão e os anéis: A lei dos sexagenários e os caminhos da abolição no Brasil”, a autora Joseli Maria Nunes Mendonça busca compreender de que maneira o poder público, por meio da lei, seria capaz de conservar a instituição da escravidão e como poderia interferir nas relações entre os ex-senhores e libertos.
A autora discute, ao longo do texto, como os parlamentares pretendiam preservar a escravidão e como buscaram promover uma liberdade que possuísse muitos dos laços que a escravatura mantivera entre senhores e escravos, apesar dos projetos de liberdade que propunham. Ela aponta a ferrenha defesa da indenização como medida necessária ao reconhecimento da legalidade do liberto e a própria tabela de preços de escravos como elementos desse ideal de preservação.
Todo o processo da abolição apresentou momentos de tensão. Os escravos faziam uso das instituições jurídicas, as discussões abolicionistas agitavam a sociedade no debate político, no Parlamento e nas ruas, e a elaboração da Lei n.º 3.270 de 1885, conhecida como “Lei dos Sexagenários” ou “Lei Saraiva-Cotegipe” intensificou os questionamentos por parte dos senhores. A lei de 1885, ao contrário de legislações passadas, interferia diretamente no domínio senhorial dos escravos. O Estado passaria, portanto, a libertar os escravos com 60 anos de idade ou mais, “arrancando-o” das mãos dos senhores. Dessa forma, os senhores poderiam ser caracterizados como “vilões” que impediam o Estado de oferecer liberdade aos cativos. Essa ideia era usada também para medir a possibilidade de manutenção dos laços pessoais entre libertos e ex-senhores, sendo já adquirida a liberdade.
Charge de Angelo Agostini publicada na Revista Ilustrada em 1881

A autora debate também as opiniões de deputados sobre a abolição imediata e as deduções anuais dos preços dos escravos, onde percebe-se que a ideia de alguns parlamentares era de deixar a solução da escravidão para a iniciativa particular e destacar a qualidade dos cativos, uma vez que os senhores deveriam libertar escravos anualmente, permitindo assim uma seleção do alforriado e a manutenção da instituição escravista. Afirmava-se que “melhor” seriam os escravos se depositassem em seus senhores a esperança da liberdade e os “bons” libertos seriam os que entrassem na liberdade guiados pelas mãos senhoriais, visando a continuidade das relações pessoais entre esses indivíduos na situação de liberdade.
Todavia, as contendas entre senhores e escravos em torno do preço para a alforria podem ter minado a continuidade dessas interações. A existência de um fundo de emancipação contribuía para esses conflitos entre senhores e escravos, uma vez que estabelecia a possibilidade da liberdade fora do domínio senhorial. Apesar de tratada como ineficiente por parlamentares, que buscavam limitar a intervenção estatal nas questões da escravidão, a ação do fundo de emancipação proporcionou a participação de familiares na busca da liberdade do cativo e procurava corresponder aos anseios dos próprios escravos.
A interferência de terceiros nos processos de libertação poderia, de fato, favorecer os escravos, mas também poderia comprometê-los, visto que os senhores seriam capazes de receber ajuda de aliados nas decisões referentes aos preços tabelados dos escravizados. Porém, esta participação afrontaria a permanência do domínio senhorial, garantido, de certa forma, pelo controle do pecúlio do escravo. Esse domínio enfraquecia-se, uma vez que o valor do escravo poderia ser modificado a partir da atuação de árbitros denominados para avaliar o preço “justo” a ser pago pela libertação do escravo sem a possibilidade de contestação por parte dos senhores.
Por fim, a autora nos afirma que "a possibilidade da intervenção de terceiros para a obtenção da liberdade tornava o domínio senhorial muito mais suscetível, perturbava ainda mais as relações de escravidão e retirava dos senhores a primazia do exercício da "proteção" que os libertos deveriam contar na nova situação de liberdade".

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sexta-feira, 13 de julho de 2018

As sementes revolucionárias | A Revolução Chinesa

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A Coleção "Revoluções do Século 20", organizada pela historiadora Emília Viotti da Costa e publicada pela Editora UNESP, apresenta um extenso número de produções. Elas buscam retratar, a partir do trabalho de diversos autores, alguns dos levantes revolucionários ocorridos no mundo ao longo do século XX e os debates por eles suscitados. Alguns dos países selecionados são África do Sul, Argélia, Chile, Coreia do Norte, México, Portugal e Venezuela. Nesta postagem, será resumido o primeiro capítulo do livro "A Revolução Chinesa", escrito pelo jornalista brasileiro Wladimir Pomar. Buscarei resumir as principais informações do primeiro capítulo a fim de que o leitor conheça parte do conteúdo do livro e, ao seu interesse, leia-o integralmente.

"Uma longa viagem começa com um único passo."
Lao-Tsé

        
                1.      As sementes revolucionárias

"A China é um dos berços da civilização humana." Esta frase abre o livro e sintetiza a relevância da China para a história da humanidade. Estudos arqueológicos atestam que há mais de seis mil anos atividades agrícolas e pecuárias já eram realizadas no atual território chinês, ou seja, sua história já se encontra ativa desde um passado distante. A invenção da escrita chinesa, composta por ideogramas, coincidiu com a formação de sua primeira sociedade estatal, a dinastia Xia, durante os séculos XXI e XVI a.C, isto é, há mais de quatro milênios.
Durante o período da Primavera e Outono e dos Reinos Combatentes (séculos VIII-III a.C), a China testemunhou o florescimento de aspectos filosóficos, técnicos e religiosos. Neste momento, surgiram indivíduos como Confúcio, Lao-Tsé e Sun Tzu que, com suas reflexões e ensinamentos, influenciaram gerações de pessoas por séculos. No fim do século III a.C (221-207 a.C), Qin Shi Huangdi, um poderoso senhor da região do Huang Ho, o Rio Amarelo, centralizou e unificou a China, estabelecendo assim a dinastia Qin, muitos séculos antes dos Estados absolutistas europeus.
Resultado de imagem para grande muralha da chinaDentre os feitos da dinastia Qin estão: unificação da escrita, medidas e moeda; estabelecimento de prefeituras e distritos, construção de palácios e da Grande Muralha da China, que se estende por mais de 21.000 km, além do desenvolvimento de matérias-primas como ferro, bronze e cerâmicas. Problemas agrícolas e revoltas camponesas, estas últimas muito frequentes na milenar história chinesa, foram importantes na derrubada da dinastia Qin por Liu Bang e Xiang Yu. Posterirmente, Liu Bang derrotou Xiang Yu e estabeleceu a dinastia Han, que se estendeu por mais quatro séculos. Durante o domínio Han, os chineses começaram a fabricar o papel e abriram a primeira rota de comércio terrestre com o Ocidente, a Rota da Seda. Porém, nem esta dinastia sobreviveu aos levantes camponeses. Após diversas alternâncias entre dinastias (Jin, Sui, Tang, Song...), a China passou por domínio estrangeiro a partir da intervenção de Kublai Khan, neto de Gengis Khan, que estendeu suas conquistas ao território chinês em 1271 constituindo a dinastia Yuan. Neste período pode-se destacar a utilização da bússola na navegação e da pólvora nos armamentos. Em 1368, novamente revoltas camponesas destituíram a dinastia vigente e estabelecem uma nova, desta vez, a dinastia Ming, sendo esta também notável por avanços realizados em seu período de governo.
O declínio da dinastia Ming se deu no período de início da expansão comercial marítima europeia. Os chineses, ligados às doutrinas confucianas, acreditavam ser o centro do mundo, considerando os povos estrangeiros como bárbaros. Problemas de ordem econômica, as costumeiras revoltas e a expansão do reino manchu destituíram o domínio Ming em 1644. A nova dinastia Qing, assim chamada pelos manchus, também se valeu dos ideais de Confúcio e passou a aumentar o monopólio imperial, exercendo pesados impostos sobre as populações, que intentavam escapar dessa tributação. Com extensão até o século XIX, esta dinastia enfrentava conflitos internos e testemunhou o surgimentos de novos adversários, os europeus.
Resultado de imagem para china under foreign ruleOs ingleses produziam ópio na Índia e o comercializavam com a China em troca de produtos como chá, porcelana e seda. Este produto causou dependência química em milhões de chineses, além de outros problemas de ordem pública. Após a China intentar pôr um fim a este infame comércio, foi desencadeada a primeira das Guerras do Ópio (1839-42), que significou o primeiro de vários processos de repartição do território chinês em áreas de influência de potências estrangeiras. Estas buscaram importar matérias-primas e comercializar produtos no país. Por isso, construíram estradas de ferro, portos e fábricas. Buscava-se também manter a dinastia local no poder, a fim de a principal base social estivesse em uma figura conhecida para as populações. Durante o século XIX, entretanto, a China se engajou em conflitos como a guerra russo-chinesa (1858), a guerra franco-chinesa (1884-85), a primeira guerra sino-japonesa (1894-95) e a guerra sino-alemã (1898). Estas trouxeram derrotas e consequências humilhantes para a China. As populações, como de costume, se rebelaram contra o domínio estrangeiro, o que se pode evidenciar na Rebelião dos Taiping (1851-1864) e na Revolta dos Boxers (1899-1901)

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Recomendação de leitura: Capítulo "China Enters the Third World" do livro "Global Rift: The Third World Comes of Age" do autor L. S. Stavrianos.