domingo, 29 de julho de 2018

Liberdade concedida, Liberdade Conquistada | Entre a mão e os anéis: A lei dos sexagenários e os caminhos da abolição no Brasil

No texto “Liberdade concedida, Liberdade conquistada”, inserido no livro “Entre a mão e os anéis: A lei dos sexagenários e os caminhos da abolição no Brasil”, a autora Joseli Maria Nunes Mendonça busca compreender de que maneira o poder público, por meio da lei, seria capaz de conservar a instituição da escravidão e como poderia interferir nas relações entre os ex-senhores e libertos.
A autora discute, ao longo do texto, como os parlamentares pretendiam preservar a escravidão e como buscaram promover uma liberdade que possuísse muitos dos laços que a escravatura mantivera entre senhores e escravos, apesar dos projetos de liberdade que propunham. Ela aponta a ferrenha defesa da indenização como medida necessária ao reconhecimento da legalidade do liberto e a própria tabela de preços de escravos como elementos desse ideal de preservação.
Todo o processo da abolição apresentou momentos de tensão. Os escravos faziam uso das instituições jurídicas, as discussões abolicionistas agitavam a sociedade no debate político, no Parlamento e nas ruas, e a elaboração da Lei n.º 3.270 de 1885, conhecida como “Lei dos Sexagenários” ou “Lei Saraiva-Cotegipe” intensificou os questionamentos por parte dos senhores. A lei de 1885, ao contrário de legislações passadas, interferia diretamente no domínio senhorial dos escravos. O Estado passaria, portanto, a libertar os escravos com 60 anos de idade ou mais, “arrancando-o” das mãos dos senhores. Dessa forma, os senhores poderiam ser caracterizados como “vilões” que impediam o Estado de oferecer liberdade aos cativos. Essa ideia era usada também para medir a possibilidade de manutenção dos laços pessoais entre libertos e ex-senhores, sendo já adquirida a liberdade.
Charge de Angelo Agostini publicada na Revista Ilustrada em 1881

A autora debate também as opiniões de deputados sobre a abolição imediata e as deduções anuais dos preços dos escravos, onde percebe-se que a ideia de alguns parlamentares era de deixar a solução da escravidão para a iniciativa particular e destacar a qualidade dos cativos, uma vez que os senhores deveriam libertar escravos anualmente, permitindo assim uma seleção do alforriado e a manutenção da instituição escravista. Afirmava-se que “melhor” seriam os escravos se depositassem em seus senhores a esperança da liberdade e os “bons” libertos seriam os que entrassem na liberdade guiados pelas mãos senhoriais, visando a continuidade das relações pessoais entre esses indivíduos na situação de liberdade.
Todavia, as contendas entre senhores e escravos em torno do preço para a alforria podem ter minado a continuidade dessas interações. A existência de um fundo de emancipação contribuía para esses conflitos entre senhores e escravos, uma vez que estabelecia a possibilidade da liberdade fora do domínio senhorial. Apesar de tratada como ineficiente por parlamentares, que buscavam limitar a intervenção estatal nas questões da escravidão, a ação do fundo de emancipação proporcionou a participação de familiares na busca da liberdade do cativo e procurava corresponder aos anseios dos próprios escravos.
A interferência de terceiros nos processos de libertação poderia, de fato, favorecer os escravos, mas também poderia comprometê-los, visto que os senhores seriam capazes de receber ajuda de aliados nas decisões referentes aos preços tabelados dos escravizados. Porém, esta participação afrontaria a permanência do domínio senhorial, garantido, de certa forma, pelo controle do pecúlio do escravo. Esse domínio enfraquecia-se, uma vez que o valor do escravo poderia ser modificado a partir da atuação de árbitros denominados para avaliar o preço “justo” a ser pago pela libertação do escravo sem a possibilidade de contestação por parte dos senhores.
Por fim, a autora nos afirma que "a possibilidade da intervenção de terceiros para a obtenção da liberdade tornava o domínio senhorial muito mais suscetível, perturbava ainda mais as relações de escravidão e retirava dos senhores a primazia do exercício da "proteção" que os libertos deveriam contar na nova situação de liberdade".

Link para aquisição do livro: https://www.estantevirtual.com.br/livros/joseli-maria-nunes-mendonca/entre-a-mao-e-os-aneis/1776513507


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